Automação Residencial e Tecnologias Assistivas: a casa inteligente pode cuidar de você.

Artigo publicado na revista Lumiere Electric edição 227 - abril de 2017

Autor: Eng. Fernando Santesso (*)

A preocupação com a inclusão e qualidade de vida para pessoas com necessidades especiais, sejam idosos ou pessoas com deficiência, tem se tornado um tema recorrente em nossa sociedade. Basta acompanhar jornais e revistas para ver os diversos esforços das mais variadas áreas do conhecimento para oferecer a essas pessoas condições dignas de vida.
A engenharia e arquitetura, dentro desse contexto, desempenham o papel crítico de oferecer a esse grupo de pessoas a possibilidade de desfrutar de qualidade de vida e independência dentro de suas residências, mesmo sendo afetadas por limitações locomotoras, visuais, auditivas e outras.
Buscaremos, nesse artigo, apresentar um panorama de como os sistemas de automação podem ser utilizados para os moradores idosos e com necessidades especiais, e como as casas inteligentes cuidarão de seus habitantes no futuro.

Arquitetura Inclusiva: Automação Residencial e Tecnologias Assistivas

Tudo começa com a revolução gerada pelo o nascimento do conceito de arquitetura inclusiva. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, e o retorno dos veteranos de guerra mutilados, ficaram evidentes as dificuldades que as construções da época impunham às atividades cotidianas dessas pessoas.
Desde então esse conceito tem se difundido e hoje é clara a preocupação entre arquitetos e engenheiros em realizar edificações que ofereçam condições favoráveis aos seus usuários, sejam eles idosos, pessoas com deficiência ou não.
Da mesma maneira, a tecnologia assistiva também tem contribuído para o avanço da inclusão de pessoas com deficiência. Por definição, tecnologia assistiva refere-se a todo um arsenal de recursos e serviços com o propósito de minimizar os problemas encontrados por indivíduos com deficiência e proporcionar maior independência, qualidade de vida e inclusão social.
A automação residencial faz parte desse arsenal de recursos e serviços que podem ser prestado à pessoas com deficiência ou que necessitem de cuidados especiais.
Entretanto, esse caráter inclusivo e social da automação tem sido negligenciado por boa parte dos projetistas e integradores de sistemas, que muitas vezes estão focados em outros aspectos da automação em seus projetos.
Apenas para elucidar a relevância do tema, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) aproximadamente 6% da população brasileira declarou possuir algum tipo de deficiência, sendo em sua maioria deficiência visual. Além disso, o país conta hoje com mais de 10% da sua população dentro da faixa da terceira idade e esse número chegará a 20% até 2025, segundo apontam pesquisas.
Logo, os cuidados com pessoas com deficiência e idosos são um tema fundamental para nossa sociedade e certamente os benefícios da automação residencial como forma de inclusão está no cerne desse debate, pois propicia maior conveniência, autonomia e independência desse grupo de pessoas.
O uso da automação como fator de inclusão, contudo, não é um tema tão recente quanto pode parecer. No ano início dos anos 2000, o Brasil acompanhou por jornais e revistas o salão e fórum Brasiltec, onde foi demonstrado ao público um espaço que concentrava as mais avançadas tecnologias residenciais da época para pessoas com deficiência: A Casa Inteligente Inclusiva.
Esse projeto exibia ideias do uso de comando de voz, tablets, acionadores, biometria, sistema de emergência e uma série de outros recursos para facilitar o uso da residência por pessoas com deficiência. Passados 14 anos desse evento, sem dúvida a tecnologia evoluiu e consequentemente os sistemas de automação residencial também evoluíram. Mas a aplicação de automação como tecnologia assistiva não apresentou o mesmo ritmo de crescimento e ainda é pouco difundido o seu uso como fator de incremento em qualidade de vida e independência para idosos e pessoas com deficiência.

Automação Residencial

É importante destacar que assim como o conceito de arquitetura inclusiva, o conceito de automação residencial já existe há várias décadas. Seu nascimento também se deu pela vontade do morador melhorar sua experiência de interação com sua residência. Sendo que os primeiros sistemas desenvolvidos foram com o objetivo de controlar a casa de maneira remota. Na época isso era feito através de comandos enviados pela rede de telefonia e podiam apresentar falhas.
Contudo, o avanço da tecnologia e aprimoramento dos sistemas ao longo das décadas fez a automação residencial tornar-se fundamental nas edificações atuais.
Para constatar esse fato basta olhar para a grande variedade de sistemas que englobam os projetos atuais de residências, tais como: iluminação, segurança, redes de comunicação, entretenimento, energia alternativa, climatização e outros.
A gestão eficiente desses sistemas é complexa e muitas vezes negligenciada pelos habitantes da residência. Nesse ponto a automação residencial exerce sua primordial função de fazer a integração e gestão desses sistemas buscando oferecer ao morador um ganho considerável em praticidade e qualidade de vida. Quanto maior for o nível de integração dos sistemas, maior serão os benefícios oferecidos e percebidos pelos habitantes.

Hoje a automação se divide basicamente em três níveis de sistemas:

·         Sistemas Autônomos: ocorre quando os sistemas são automatizados, porém sem comunicação uns com os outros.
·         Sistemas Integrados: ocorre quando os sistemas automatizados são integrados e se comunicam entre si.
·         Sistemas Complexos: ocorre quando os sistemas integrados ganham um certo grau de “inteligência”.


Automação Residencial como Tecnologia Assistiva

Deve-se ressaltar que as vantagens do uso da automação residencial como tecnologia assistiva podem ser observados por seus usuários a partir do nível de Sistemas Integrados, ou seja, a partir do momento em que há comunicação de um sistema automatizado com outro. Consequentemente, não é necessário um sistema complexo de automação para que um idoso ou pessoa com deficiência possa desfrutar de uma melhor qualidade de vida em sua residência.
Isso levanta uma questão de importante: “Por qual motivo os sistemas de automação são pouco aplicados em residências que possuem idosos ou pessoas com deficiência?”
Embora a resposta para essa questão possa apresentar um número grande de justificativas, basicamente podemos agrupá-los em duas vertentes. E o primeiro grande motivo é o pré-conceito sobre o custo do investimento em automação. Historicamente os sistemas de automação residencial sempre foram atrelados ao conceito de luxo e por isso passam a impressão de serem sistemas caros para serem implantados.
Isso pode ter sido um fato nos primórdios da automação residencial, quando os “entusiastas e visionários” da tecnologia pagavam altos valores para ter o que havia de mais moderno em suas residências. Porém, isso não é mais uma realidade, visto que o custo da tecnologia de automação tem se tornado cada vez mais acessível ao consumidor no mundo inteiro como apontam pesquisas da AURESIDE (Associação Brasileira de Automação Residencial e Predial).
O segundo motivo que observamos, e esse pode ser citado como o mais preocupante, é a falta de conhecimento por parte de arquitetos, projetistas, engenheiros e especificadores dos proveitos que podem ser alcançados com uso dessas tecnologias em prol da inclusão, além da necessidade de suporte à aplicação de tais tecnologias.
Por esse motivo vamos apresentar abaixo algumas possíveis aplicações de sistemas automação residencial para benefícios de pessoas com deficiência e idosos.

Sistema Integrado
Tudo que está integrado tem por objetivo principal facilitar a vida do usuário e minimizar o esforço necessário para a realização de tarefas cotidianas. A unificação de controles da residência simplifica sua operação, uma vez que com o simples toque de um botão o usuário pode gerar grupos de eventos e ações que demandariam um grande esforço físico caso fossem executados um a um.
O controle centralizado pode não apenas facilitar as ações, como também informar ao usuário as condições em diversos cômodos da residência sem que haja necessidade de locomoção para verificar. Para pessoas idosas e com dificuldade de locomoção, a integração dos sistemas possibilita um ganho considerável em sua experiência com a residência.
Quer entender melhor? Então faça o seguinte, imagine que você está saindo de casa e quer garantir que todas luzes estejam apagadas e todas as cortinas fechadas. Uma tarefa relativamente simples, embora exija que você transite entre os cômodos da casa. Agora imagine fazer isso em uma cadeira de rodas.
Se para nós que não possuímos limitações de locomoção essa tarefa cotidiana pode exigir algum esforço, para aqueles que possuem essas limitações o esforço será muito maior.

Sensoriamento e Monitoramento
Os sensores são elementos fundamentais em projetos de automação residencial.
Uma vez que os sistemas estão integrados existem algumas formas de disparar uma ação dentro da residência. A mais comum delas é o morador apertando um botão e gerando um evento que liberar uma determinada ação. Porém, quando falamos em automação assistiva os sensores ganham destaque como ferramentas de prevenção de acidentes e monitoramento de pessoas.
Como sabemos, com o passar dos anos a visão pode ser afetada e pessoas com idade podem sofrer acidentes ao caminhar por suas residências exatamente por não enxergarem com clareza os obstáculos pelo caminho. O simples uso de sensores de presença atrelados ao controle do nível de intensidade de iluminação pode prevenir esses acidentes.
Além disso, sensores podem monitorar quedas e informar eventos como: vazamentos de gás, incêndios e outros que ofereçam risco aos moradores.

Controle por comando por voz

Talvez o controle por comando de voz seja o item onde mais facilmente podemos perceber os ganhos e possibilidades do uso da automação como tecnologia assistiva.
Uma das formas mais severa de limitação e dependência se dá quando o morador é tetraplégico, ou seja, não possui mobilidade nos membros e portanto fica totalmente dependente de outras pessoas para a realização de tarefas físicas simples como acender ou apagar luzes, mudar um canal de tv, ligar ou desligar o ar condicionado e outras.
Os sistemas de comando de voz ou assistentes virtuais que tem surgido no mercado, como o Amazon Echo e Google Home, estão ganhando notoriedade pela variedade de aplicações as quais eles se dispõe, dentre elas, a assistência à pessoas com deficiência quando integrado a um sistema de controle e automação residencial.
Através desses dispositivos, pessoas com deficiência que limitam severamente a locomoção e realização de tarefas, podem realizar tarefas simples por sua própria conta conferindo um certo grau de independência e ganho na qualidade de vida.
 Outra função muito comum em dispositivos de comando de voz é disparar alertas através de notificações por e-mail ou smartphone, quando algo está errado. Com um simples comando de voz o dispositivo enviará uma mensagem alertando sobre a necessidade de ajuda.

O que esperar do futuro
A automação assistiva já é uma realidade e, como visto, pode ser facilmente aplicada nas residências de pessoas com necessidades de cuidados especiais. O próximo passo dessa tecnologia está diretamente ligado a conceitos de inteligência artificial, telemetria e internet das coisas.
Uma vez que a residência esteja integrada, com sensoriamento, telemetria e conexão à rede dados, os serviços de monitoramento de saúde e bem estar de seus habitantes poderão ser feitos remotamente. Indo mais além, os sistemas de computação inteligentes tomarão ações e aprenderão com os hábitos e comportamento dos moradores. Assim a casa assistiva cuidará do bem estar e saúde de seus habitantes, tendo eles necessidades especiais ou não.
Em outras palavras, em um futuro próximo a residência se dedicará ao bem estar, segurança, saúde e oferecerá uma melhor qualidade de vida, principalmente para idosos e pessoas com deficiência.

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(*) Fernando Santesso

Engenheiro elétrico com especialização em Gestão Empresarial. Ocupa o cargo de Diretor de Projetos da Associação Brasileira de Automação Residencial e Predial. Também é sócio e diretor da Integra Sistemas Prediais, empresa que atua com projetos, consultora e instalação de sistemas automação residencial e predial.

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